Entrevista da revista pv com Antonio Delgado Rigal, doutorado em Inteligência Artificial e CEO da AleaSoft Energy Forecasting.

AleaSoft Energy Forecasting, 11 de setembro de 2024. Entrevista de Emiliano Bellini da revista pv com Antonio Delgado Rigal, doutorado em Inteligência Artificial, fundador e CEO da AleaSoft Energy Forecasting. A entrevista analisa o aumento das horas com preços negativos nos mercados europeus de eletricidade, que é o resultado de uma matriz de factores, incluindo muita produção renovável e baixa procura. Destaca também a importância do armazenamento de energia e da flexibilidade para reduzir os preços negativos.

AleaSoft - Negative Prices European Electricity Markets

Os mercados europeus da eletricidade estão a registar mais horas de preços negativos, uma tendência frequentemente associada à rápida expansão das energias renováveis. No entanto, este aumento deve-se a uma combinação de factores.

“Embora a implantação de uma maior capacidade de energia renovável, especialmente solar e eólica, seja um dos principais factores, não é o único”, disse Antonio Delgado Rigal, CEO da AleaSoft Energy Forecasting, à revista pv numa entrevista sobre o assunto. “A procura também desempenha um papel crucial.

De acordo com António Delgado Rigal, os preços negativos ocorrem sobretudo em alturas em que existe uma coincidência de elevada produção renovável, como as horas centrais do dia com elevada produção solar, dias com muito vento e elevada produção eólica, ou alturas do ano com elevada produção hidroelétrica. Estas condições coincidem muitas vezes com uma baixa procura, como fins-de-semana, feriados ou épocas do ano com temperaturas menos extremas, como a primavera.

“É a combinação de alta produção renovável e baixa demanda que leva a preços negativos”, acrescentou o CEO da AleaSoft Energy Forecasting. “O rápido aumento da capacidade instalada de energia renovável na Europa, juntamente com a queda da demanda de eletricidade resultante da crise da COVID em 2020 e o subsequente choque de preços da energia em 2022 e 2023, levou ao aumento do número de horas com preços negativos nos últimos anos.”

Por vezes, os produtores oferecem a sua energia a preços inferiores a zero para garantir a sua venda no mercado, o que gera preços negativos.

“Isto é possível devido à conceção marginalista do mercado da eletricidade, em que as ofertas são ordenadas por ordem ascendente de acordo com o preço oferecido e as ofertas mais baixas são as primeiras a ser igualadas”, explicou Delgado Rigal. “Embora possa parecer contra-intuitivo, os produtores têm razões para apresentar propostas a preços negativos. Uma delas é o facto de receberem um pagamento fixo pela produção de energia, independentemente do preço de mercado, caso tenham um contrato PPA (Power Purchase Agreement) ou tenham ganho um leilão. Além disso, alguns produtores podem ter um compromisso inevitável com uma contraparte que compra essa energia. Outra razão é que alguns produtores, como os nucleares, não podem reduzir facilmente a sua produção, como acontece em França e em Espanha, onde as centrais nucleares têm de continuar a produzir devido às suas caraterísticas técnicas.”

Delgado Rigal apelou a uma maior capacidade de armazenamento para evitar que este fenómeno ocorra com maior frequência. As baterias podem absorver o excedente de energia renovável durante os períodos de baixa procura e libertá-lo quando necessário.

Delgado Rigal afirmou que o número de horas com preços negativos deverá aumentar nos próximos dois a três anos. Isto deve-se principalmente ao rápido crescimento das energias renováveis e ao facto de a procura não estar a crescer ao ritmo esperado para cumprir os objectivos de descarbonização e de redução das emissões.

“No entanto, a longo prazo, não se espera que as horas de preços negativos representem um risco significativo para a rentabilidade dos projectos”, afirmou. “Embora os preços negativos continuem a ocorrer, não se espera que sejam suficientemente frequentes ou recorrentes para pôr em causa a viabilidade financeira dos investimentos em energias renováveis.”

A implementação de tecnologias de armazenamento de energia, a melhoria da flexibilidade da demanda, a continuação da eletrificação de sectores como a indústria, os transportes e o aquecimento e a produção em grande escala de hidrogénio verde e seus derivados são fundamentais para que tal aconteça.

“Isto permitirá que as energias renováveis se mantenham competitivas e rentáveis, mesmo num ambiente de preços negativos ocasionais”, afirmou Antonio Delgado Rigal.

Historicamente, os preços negativos têm estado presentes em mercados como a Alemanha, que dispõe de grandes capacidades de produção de energia renovável. Em contrapartida, mercados como o do Reino Unido, que depende fortemente do gás e do carvão, e o da França, que depende da energia nuclear, têm registado preços negativos com menos frequência.

“Os preços negativos tendem a ocorrer esporadicamente, especialmente em períodos de baixa procura, como durante a crise da COVID em 2020 ou nos anos que se seguiram à crise financeira de 2008”, explicou Delgado Rigal. “No caso do mercado espanhol, os preços negativos não se tinham verificado até abril deste ano e, até agora, o preço mais baixo foi de -2 €/MWh (-2,21 $/MWh). Isto deve-se ao facto de, em Espanha, os CAE e os leilões terem cláusulas de não pagamento em caso de preços negativos, o que desencoraja as energias renováveis de produzirem nessas alturas”.

Noutros países, como a Alemanha, os produtores de energias renováveis podem continuar a ser pagos mesmo que os preços de mercado sejam negativos, desde que esses preços negativos não durem mais de três horas consecutivas.

“A partir de 2023, o número de horas com preços negativos começou a aumentar acentuadamente em quase todos os mercados”, disse o CEO da AleaSoft Energy Forecasting. “O principal fator tem sido o rápido crescimento da energia solar fotovoltaica e a queda da procura após o choque de preços de 2022 e 2023. Na maioria dos mercados, o número de horas com preços negativos até agora em 2024 já excedeu o número de horas registadas em todo o ano de 2023. Além disso, há casos como o mercado italiano, em que a maior parte da procura é coberta por gás de ciclo combinado e importações de eletricidade. Nestes mercados, os preços negativos são muito excecionais e praticamente inexistentes”.

No futuro, os mercados que estarão mais bem protegidos do risco de preços negativos recorrentes serão aqueles que conseguirem uma maior integração e flexibilidade no seu sistema energético.

“Os mercados com maior capacidade de armazenamento de energia, como as baterias, o armazenamento hidroelétrico por bombagem ou a capacidade de armazenamento de hidrogénio verde, poderão armazenar o excesso de energia renovável em períodos de baixa procura e libertá-la quando necessário”, afirmou Delgado Rigal. “Isto ajudará a reduzir a frequência dos preços negativos, uma vez que a energia não terá de ser vendida a qualquer preço no mercado. Os mercados com maior capacidade nas interligações eléctricas com os países vizinhos poderão exportar a sua produção excedentária quando a procura interna for baixa, evitando assim a saturação do sistema e os preços negativos. Deste modo, equilibrar-se-á a oferta e a procura, evitar-se-ão derrames de energia e reduzir-se-á a volatilidade dos preços”.

A capacidade de produção de hidrogénio verde será também um fator crucial. A eletricidade renovável excedentária pode ser utilizada para produzir hidrogénio, que pode depois ser armazenado e utilizado como fonte de energia ou matéria-prima em sectores industriais, evitando a necessidade de vender energia em períodos de preços negativos.

“Os mercados que incentivam uma maior flexibilidade do lado da procura, através de programas de gestão da procura ou de tarifas dinâmicas, poderão ajustar o consumo em função da disponibilidade de energias renováveis”, acrescentou Antonio Delgado Rigal. “Isto permitirá que a procura responda melhor à oferta, reduzindo o risco de preços negativos. Estes elementos darão maior estabilidade ao sistema e permitirão tirar o máximo partido da produção renovável sem gerar distorções nos preços de mercado”.

O Comissário salientou que os preços negativos, embora não sejam um sinal ideal, não devem necessariamente ser vistos como um problema que exija uma intervenção direta nos mercados. Pelo contrário, são um sintoma de que o mercado está a sofrer uma ineficiência temporária, normalmente associada a um desajuste entre a oferta e a procura de energias renováveis. A intervenção nos mercados para evitar o aparecimento de preços negativos distorceria os incentivos e sinais de que o mercado necessita para se auto-regular de forma eficiente.

“Em vez de tentar evitar preços negativos através de regulamentação restritiva, é preferível incentivar a cobertura de riscos e os contratos a longo prazo, como os CAE”, afirmou Antonio Delgado Rigal. “Isto atenua o risco de preço tanto para os produtores como para os consumidores, enquanto o mercado dá o sinal de preço correto no momento certo. Não é uma boa ideia intervir diretamente nos mercados para evitar preços negativos, uma vez que estes são um sinal de mercado importante para estimular a inovação e o investimento em soluções como o armazenamento e a gestão da procura”.

Delgado Rigal afirmou ainda que os preços negativos reflectem em grande medida a canibalização que existe atualmente no sector das energias renováveis, em especial na energia fotovoltaica.

“As próprias centrais solares competem entre si, baixando os preços quando a produção é abundante”, afirmou, referindo que, sobretudo para o sector industrial, os preços negativos representam uma oportunidade de acesso à energia a preços extremamente competitivos. “Se as indústrias se adaptarem e ajustarem o seu consumo para tirar partido destas horas de excesso de oferta, ou se deslocalizarem para mercados onde as energias renováveis são mais baratas graças a uma capacidade instalada abundante, poderão reduzir significativamente os seus custos energéticos. Esta flexibilidade será fundamental para colher os benefícios da transição energética”.

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