AleaSoft Energy Forecasting, 25 de setembro de 2025. Entrevista de Víctor Delgado, da Revista Energética, a Antonio Delgado Rigal, Doutor em Inteligência Artificial, fundador e CEO da AleaSoft Energy Forecasting.
Um ano após a atualização do PNIEC 2023-2030, como vê a implementação em Espanha para cumprir os seus objetivos?
A Espanha avança rapidamente nas energias renováveis, especialmente na energia fotovoltaica e eólica, mas o ritmo nas redes, armazenamento e interconexões são um gargalo.
As redes de distribuição e transporte devem crescer significativamente para dar lugar a todos os projetos renováveis, de armazenamento e de nova demanda que são necessários.
A capacidade das interligações com a França deve ser muito maior, tal como proposto pelo PNIEC.
É preciso continuar avançando na modernização e digitalização das redes e canalizar novas medidas regulatórias para que o apagão de abril não se repita.
Que efeitos terá ou está a ter a aprovação do Real Decreto-Lei 7/2025 sobre medidas urgentes para reforçar o sistema elétrico espanhol?
O Real Decreto-Lei 7/2025 não foi validado e foi revogado pelo Congresso, pelo que as suas medidas não estão em vigor. Várias das necessidades que pretendia satisfazer (maior resiliência da rede, serviços do sistema, ajustes normativos do regime retributivo) estão a ser redirecionadas por outras vias regulatórias ordinárias. Em resumo, há continuidade nos objetivos, mas sem esse instrumento específico.
Em qualquer caso, consideramos necessárias medidas destinadas a impulsionar o armazenamento, a flexibilidade e a eletrificação, que são essenciais para avançar na transição energética.
Como mudou o setor elétrico após o apagão? Quais foram os seus efeitos mais imediatos?
O apagão de 28 de abril de 2025 evidenciou a importância da estabilidade da frequência, das interconexões e da resposta rápida. Segundo explicaram a Red Eléctrica e a ENTSO-E, em Espanha não se verificou uma perda massiva de fornecimento, embora tenha sido necessário ativar medidas de defesa e realizar uma análise detalhada das causas. Isto serviu para reforçar os procedimentos e melhorar a coordenação regional. A lição aprendida foi a necessidade de mais flexibilidade (demanda e armazenamento), automatismos e uma rede mais robusta.
Que vetores do mercado elétrico, como armazenamento, redes ou interconexões, considera prioritários para integrar a energia eólica e fotovoltaica de forma sustentável?
A prioridade número um são as redes. A integração massiva das energias renováveis exige acelerar a execução do planeamento 2021-2026, incluindo as suas modificações pontuais, e pôr em marcha o mais rapidamente possível o plano 2025-2030. Atualmente, existem mais de 26 GW de projetos eólicos e fotovoltaicos que solicitaram licenças de acesso e ligação e estão em curso, o que reflete a saturação da rede. Sem reforços, será impossível aproveitar todo o potencial fotovoltaico e eólico.
A segunda prioridade são as interligações internacionais. A Espanha continua com cerca de 2-3% de capacidade de interligação elétrica com a França, muito abaixo da meta europeia de 15% em 2030. Um sistema mais interligado permitirá exportar excedentes renováveis, reduzir descargas e melhorar a segurança do abastecimento.
A terceira prioridade é o armazenamento. O PNIEC estabelece uma meta de 22,5 GW de armazenamento em 2030, contra os atuais 5,7 GW, principalmente bombeamento hidroelétrico e termosolar. É essencial acelerar a implantação tanto de baterias como de novos projetos de bombagem reversível, para transferir os excedentes solares para as horas de maior demanda e fornecer serviços de ajuste, inércia e controlo de tensão.
O desenvolvimento do hidrogénio verde está tão paralisado como alguns querem fazer crer ou estamos apenas numa desaceleração momentânea antes do seu desenvolvimento definitivo?
Trata-se de uma desaceleração seletiva, não de uma paralisação estrutural. As segundas leilões do European Hydrogen Bank adjudicaram 992 milhões de euros a 15 projetos, com a Espanha liderando em número. A nível nacional, o esquema AaaS (Auction‑as-a‑Service) atribuiu 377 milhões de euros a 485 MW de eletrolisadores. Persistem desafios como garantir eletricidade renovável competitiva, contratos de fornecimento industrial e agilizar os trâmites, mas o sinal de investimento existe. A Espanha mantém a meta de 12 GW de eletrólise em 2030, e o desenvolvimento dependerá mais dos custos e da regulamentação europeia do que da falta de interesse dos investidores.
Como avalia a adaptação do mercado elétrico europeu aos novos vetores, como energia eólica, baterias, hidrogénio e veículos elétricos?
A reforma do desenho do mercado, em vigor desde julho de 2024, melhora os quadros para PPAs e CfDs (Contratos por Diferenças) bilaterais e normaliza os mecanismos de capacidade. Isso reduz a volatilidade percebida pelos consumidores e dá certeza aos investimentos renováveis e de flexibilidade. O desafio passa para a implementação nacional: calendários, regras e gestão de congestionamentos.
Num cenário de excessos renováveis e baixo preço marginal, qual é o papel da gestão ativa da demanda e quais são as ferramentas que permitem antecipar uma melhor utilização?
É fundamental. O SRAD (Serviço de resposta ativa à demanda) e a agregação da demanda permitem deslocar o consumo, reduzir os descartes e comprar a um preço mais baixo. Com a mudança dos mercados para 15 minutos, que terá início a 1 de outubro (MTU-15), e os mercados intradiários, a otimização requer previsões subhorárias coordenadas da demanda, preços e geração distribuída, além de algoritmos de programação para a indústria e recarga.
Acha que os episódios recorrentes de preços negativos vão continuar? O que refletem as suas previsões?
Sim, continuarão a ser recorrentes nos fins de semana e feriados com alta produção fotovoltaica e baixa demanda, e em horários com congestionamentos locais. Em 2024, a Espanha já registou horas com preços negativos e, em 2025, a frequência aumentou na primavera-verão. No futuro, a implantação do armazenamento e a gestão da demanda tenderão a reduzir a sua frequência.
Qual é o seu diagnóstico sobre o desenvolvimento do mercado de capacidade na Espanha e o seu efeito sobre a implantação do armazenamento?
O quadro europeu já normalizou os mecanismos de capacidade, com exemplos consolidados no Reino Unido, Itália ou França. Em Espanha, embora tenham sido publicados planos e documentos de conceção, e o Real Decreto-Lei 7/2025 tenha reconhecido a utilidade pública do armazenamento, ainda falta a implementação efetiva de leilões com regras claras para as baterias: duração mínima da descarga, critérios de disponibilidade, teste de stress e regime de penalizações. Um calendário credível, plurianual e alinhado com o PNIEC será determinante para garantir a bancabilidade do armazenamento e acelerar a sua implementação.
Na perspetiva da AleaSoft, que elementos da reforma europeia do mercado energético estão a favorecer a atração de investimento renovável?
A reforma europeia do mercado elétrico incorpora vários instrumentos que favorecem o investimento em energias renováveis. Os PPAs, reforçados graças a uma maior transparência e liquidez, oferecem visibilidade de receitas a longo prazo. Os CfDs bidirecionais, aplicáveis à nova capacidade, reduzem a exposição ao risco de preços. A isto acrescentam-se os mecanismos de capacidade e resposta à demanda, que proporcionam receitas por flexibilidade. Tudo isto é complementado pela padronização de produtos e pela introdução do MTU-15 no acoplamento diário, que aumentam a eficiência e melhoram os sinais do mercado. Em conjunto, configura-se um quadro mais estável e financiável para impulsionar o investimento em energias renováveis.
Se a AleaSoft tivesse que resumir as recomendações mais relevantes para acelerar a transição energética em Espanha — em termos regulatórios, de mercado e de tecnologia —, quais seriam elas?
Na AleaSoft, identificamos seis prioridades fundamentais para acelerar a transição energética em Espanha. Em primeiro lugar, é imprescindível reforçar as redes e as interligações, executando com agilidade o planeamento para 2021-2026 e colocando em prática o planeamento para 2025-2030, com especial atenção aos corredores de evacuação e aos reforços nas zonas onde já se registam descargas de energias renováveis. Em segundo lugar, é necessário avançar na definição de um calendário de mercado de capacidade e serviços de não frequência, como tensão e inércia sintética, com regras claras e financiáveis para o desenvolvimento de baterias e bombagem, com o objetivo de atingir os 22,5 GW de armazenamento previstos no PNIEC. É também fundamental consolidar o MTU-15, bem como facilitar os PPAs e coberturas a longo prazo, incluindo os PPAs híbridos com armazenamento. No que diz respeito ao hidrogénio, é fundamental coordenar os apoios com a demanda industrial e garantir o acesso a eletricidade renovável a preços mais baixos, seja através de PPAs ou aproveitando as horas de menor consumo. No âmbito da demanda, é necessário acelerar a agregação e a implantação do SRAD em setores como a indústria, a eletromobilidade e os centros de dados, através de sinais horários e uma gestão ativa do consumo. Por último, convém impulsionar a hibridização de centrais solares e eólicas com armazenamento, uma vez que esta estratégia permite aproveitar melhor os pontos de ligação existentes, reduzir os descartes, prolongar o perfil horário da produção renovável e melhorar a gestão de riscos nos PPAs. Além disso, isso reforça a competitividade dos projetos, oferecendo um produto mais estável e previsível para a rede e para os compradores. Em conjunto, todas essas medidas são complementares: sem redes e interconexões, as energias renováveis não serão integradas; sem flexibilidade, não haverá segurança de abastecimento; e sem demanda ativa, a eletrificação não atingirá seus objetivos.